domingo, 11 de agosto de 2019

Honra teu pai - Saudade

Pode ser um dia comercial como dia das mães, dia dos namorados, entre outros. Mas independente disso, adoro ver esse momento em que um filho faz uma pausa para dedicar um tempo, olhar pra sua história, declinar sua cabeça e honrar. Um dos mandamentos mais sábios, honrar pai e mãe. 
Hoje chorei, sorri, conversei e até gargalhei com ele, dei uma de louca mesmo. To sozinha, ninguém me vê. Mas precisava honra-lo, mesmo que "in memorian".
Fui atrás da primeira lembrança que eu tenho dele. Tinha 6 ou 7 anos. Eu fantasiada de índia, ele retocando a minha pintura, estávamos sentados num ginásio, eu no meio de suas pernas, ele me amparando, aguardando a minha apresentação de dança. Lembro do assobio dele bem alto, estridente e dos aplausos daquelas mãos ressecadas. Eu olhava pra ele. Buscava o seu reconhecimento, o brilho no seu olhar, a sua admiração, o seu sorriso. Não era consciente, consciente sou hoje da importância daquele momento pro resto da minha vida.
Meu pai foi sempre muito presente. Mesmo quando me esquecia. Lembro dele brigando comigo quando fui malcriada com minha mãe. Lembro dele colocando os cadarços no tênis com perfeição, sempre lembrando que aprendeu isso no exército, na guerra, e tenho certeza que isto era um ritual pra ele. 
Ele fazia um sanduíche milimetricamente perfeito, nunca deixava margarina sobrando, nem tocar a lateral do pão, e o queijo ficava certinho, bem centralizado. E depois ele cortava com a faca. Até hoje não consigo comer um pão sem cortar no meio. 
Quando começava a aparecer bolor, ou as frutas começavam a apodrecer, ele não jogava fora. Cortava o que não prestava, e salvava o resto conseguindo ainda fazer com que ficasse mais saboroso.
Pedia desconto sempre, me matava de vergonha na "Só Tenis". Lembro dele beijando o rosto da minha mãe com ternura e timidez. Lembro dele me explicando quando tive meu primeiro carro: "Na linguagem dos homens, carro é que nem mulher. Devemos cuidar, tratar com carinho e nunca emprestar pra ninguém". 
Quando ele me visitou em Balneário de surpresa e viu que eu estava acompanhada, ele não brigou, nem foi careta, apertou a mão do Fernando, perguntou em sussurro quem era esse cara, e me ligou no dia seguinte falando com um pouco de rodeios: "Tu já é uma mulher, só se cuida, falam muito em doenças e filho agora ta cedo."
Quando ia num parque de diversão, não tinha medo algum. Até na Torre do Beto Carreiro foi, e eu fiquei embaixo, rezando pra que ele não tivesse um infarto. Mas ele saia do brinquedo falando: "Porrate, minhas tripas vieram pra cabeça". Ele também amava a praia, e quando estava nela, aproveitava até o ultimo minuto, ora na água, adorava boiar, ora brincava na areia. 
Sempre me falou de ombridade, que o nome é tudo que temos. Palavra de honra era uma frase que ele usava constantemente quando queria provar que o que dizia era a mais pura verdade.
Ah, e ele dançava. Conheceu minha mãe num baile, na Matola(Africa). Eles dançavam lindamente, e logo eu quis dançar com ele. Foi meu melhor parceiro. Ele era gordinho, mas foi o homem mais leve que eu dancei até hoje. Cheio de ritmo e improviso. A gente desfilava dançando.
E hoje eu olho pra mim e vejo o quanto dele me transformou na mulher que eu sou. Metade disso vem dele, a outra metade da minha mãe, tão maravilhosa quanto. 
A saudade que eu sinto me faz chorar as vezes, mas não é uma dor rasgada, é uma dor que vem acompanhada de um sorriso, de lembranças. Mas sim, o cheiro, o toque, o beijo, os espirros ensurdecedores fazem falta. Te honro pai. E obrigada mãe por ter escolhido esse homem pra ter sido o meu pai. Você acertou em cheio.

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