segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Treta Dolosa

 Deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar" (Claudia e D2)


Não sou de me envolver em tretas de redes sociais, ficar dando minha opinião,  mas dessa vez tá me dando gastrite, e talvez por estar em épocas onde ando mexendo com sentimentos e fantasmas com minha terapeuta eu não esteja conseguindo me segurar.
O fato é que meu sangue ferveu assistindo aquele abuso de audiência no caso da Mariana Ferrer, o fato é que fiz transferência sim. Tenho empatia,  me coloquei no lugar dela pois já passei por algo parecido e tenho várias conhecidas que já passaram também.
Nunca falei abertamente, mas sim, já passei por isso, já sofri um estupro e não, não, eu não posso provar. 
Na época eu simplesmente não entendia o que estava acontecendo comigo. Várias coisas passavam na minha cabeça:
"Porquê eu transei com ele?"
"Eu não queria, porquê transei?"
"Eu fui fácil, fui vagabunda."
Eu chorava, eu me culpava, e eu me conformei que o problema era eu que fui "a facinha".
Mais tarde, descobri que foi o tal "boa noite cinderela". Até então pra mim estupro era regado a violência física, e não tinha noção do que era a falta de capacidade de reação. Estar totalmente apática, como que se você conseguisse ver seu corpo logo ali com outra pessoa.
Sim queridos, isso pode acontecer com você. Você vai transar, vai sair andando normalmente, você inclusive pode até dar a mão pro tal cara, e pode nem ser mais virgem.
"Ah Sandra, mas como você pode provar?" Eu realmente não posso. Nunca quis, e nem vou, e inclusive duvidei até de mim. Mas isso não vem ao caso.
ELA denunciou, ELA teve coragem. ELA ousou. ELA sofreu um segundo estupro, o virtual, um abuso, e na verdade foi este que a meu ver realmente mexeu com muita gente, pois este sim nós assistimos.
O machismo, o assédio moral, o estar sozinha, abandonada, sem nem mesmo com a parte que cabia a ela por direito a defender, me deixou arrasada, me deixou cega a qualquer questão jurídica. Naquele vídeo já não me importava mais se o fato aconteceu ou não, naquele vídeo eu estava sendo abusada junto com ela.
Naquele vídeo eu me vi sozinha, eu senti vergonha alheia, eu achei injusto o julgamento, a grosseria, a humilhação, o abuso de poder velado, e tudo isso por ela apenas ser mulher.
Carregamos nas costas anos de repressão,  de machismo,  de sociedade pudica, de educação repressora, de paradigmas que eu carrego até hoje e ainda tento quebrar em terapia quando me acho ousada demais. Não sou a dita "feminista chata", mas sou ser humano que teria empatia por qualquer pessoa que tivesse sido tratada daquela forma, e o fato é que até eu ainda carrego certo machismo em mim, e odeio isso, tenho nojo.
Eu nem tinha 9 anos quando me senti a primeira vez incomodada por ser mulher e tive que ouvir a minha avó falar que a culpa era minha porquê uma moça não deve sentar nem se vestir daquela forma.
O mundo está muito melhor, eu realmente acredito nisso, e é por isso que muita gente não se cala mais.
Então deixa, deixa, deixa...

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