sábado, 14 de novembro de 2020

A Finitude


Recebi este video e me deparei com o seguinte paradoxo: A vida é curta, mesmo quando ela é longa.
Se tem uma coisa que me faz esquecer de mim, do mundo, da vida, é a dança. Quando danço eu sinto, eu me entrego, eu me liberto de toda razão, sou apenas sentimento, vivo realmente o momento presente, não existe o antes, nem o depois, eu realmente consigo estar no agora. 
São poucas coisas que me tiram de mim, que me fazem viver a essência, o que sou. Sim, passo por isso em outros momentos da vida, mas na dança eu diria que é 99,9% das vezes.
Sou canceriana, o próprio nome deste blog já revela, e na dança posso dizer que sou a canceriana típica, vivo com emoção.

Quando eu assisti esse video acima, chorei. Chorei por me colocar no lugar dela, chorei por achar lindo, por sentir o que ela sentiu, por ter a dança impregnada na alma, porém chorei por me deparar como somos pequenos, limitados, finitos, e chega um hora que a emoção transborda do peito, da alma e você só pode suspirar, quando muito, recordar.
Marta Gonzalez mesmo com Alzheimer não esqueceu os passos que dançava quando era bailarina principal de Nova York, nem tão pouco o sentimento que viveu nos anos 60, carregava isso com ela aquele momento, e não foi o "alemão" que a fez esquecer. 
Ela teve uma vida longa, morreu ano passado, mas ao ver este video, a sensação que tenho é que ela achou curta.

Essa semana uma adolescente de 15 anos abreviou sua vida. Linda, sorridente, amada, uma vida inteira pela frente, mas mesmo assim, por motivos que por mais que os pais, familiares, amigos, professores e até nós estranhos empáticos queiramos tentar, jamais saberemos. Quem decide por morrer, leva essa verdade consigo. Não existem culpados, não podemos torcer a faca no peito de quem partiu e nem de quem ficou. Dói demais pensar em se colocar no lugar, imagina quem já esta la. Infelizmente ela jamais saberá o que estava por vir.

A finitude me assusta, não a minha, e sim a de quem amo, do que amo. O minuto de bobeira, o desespero, o falso controle também me assustam. 
Eu amo a vida. Temo sim a morte dos meus. Temo a separação, temo o desconhecido, temo a própria crença, a incerteza, temo o pra sempre, temo o nunca, temo não ter tempo de perder o medo. Temo saber que só tenho uma única certeza nessa vida, a morte. 
Então por quê partir antes?

Eu continuo andando, com longas pausas, com diversos pulos, pegando atalhos, mudando a rota, recalculando, voltando, mudando o roteiro, na grande maioria das vezes sorrindo, gargalhando, em algumas bravejando, metendo a quinta marcha e dando luz alta, outras vezes eu paro pra ver o mar que eu amo, respiro, choro sozinha que foi como aprendi, e depois, continuo, e nem sempre sei pra onde estou indo, mas eu vou. Só sei que a música sempre me acompanha, e eu danço, numa cadeira, no volante, sozinha ou a dois. O fim chega, deixo ele pra lá...já a "dança", essa depende de mim.





segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Treta Dolosa

 Deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar" (Claudia e D2)


Não sou de me envolver em tretas de redes sociais, ficar dando minha opinião,  mas dessa vez tá me dando gastrite, e talvez por estar em épocas onde ando mexendo com sentimentos e fantasmas com minha terapeuta eu não esteja conseguindo me segurar.
O fato é que meu sangue ferveu assistindo aquele abuso de audiência no caso da Mariana Ferrer, o fato é que fiz transferência sim. Tenho empatia,  me coloquei no lugar dela pois já passei por algo parecido e tenho várias conhecidas que já passaram também.
Nunca falei abertamente, mas sim, já passei por isso, já sofri um estupro e não, não, eu não posso provar. 
Na época eu simplesmente não entendia o que estava acontecendo comigo. Várias coisas passavam na minha cabeça:
"Porquê eu transei com ele?"
"Eu não queria, porquê transei?"
"Eu fui fácil, fui vagabunda."
Eu chorava, eu me culpava, e eu me conformei que o problema era eu que fui "a facinha".
Mais tarde, descobri que foi o tal "boa noite cinderela". Até então pra mim estupro era regado a violência física, e não tinha noção do que era a falta de capacidade de reação. Estar totalmente apática, como que se você conseguisse ver seu corpo logo ali com outra pessoa.
Sim queridos, isso pode acontecer com você. Você vai transar, vai sair andando normalmente, você inclusive pode até dar a mão pro tal cara, e pode nem ser mais virgem.
"Ah Sandra, mas como você pode provar?" Eu realmente não posso. Nunca quis, e nem vou, e inclusive duvidei até de mim. Mas isso não vem ao caso.
ELA denunciou, ELA teve coragem. ELA ousou. ELA sofreu um segundo estupro, o virtual, um abuso, e na verdade foi este que a meu ver realmente mexeu com muita gente, pois este sim nós assistimos.
O machismo, o assédio moral, o estar sozinha, abandonada, sem nem mesmo com a parte que cabia a ela por direito a defender, me deixou arrasada, me deixou cega a qualquer questão jurídica. Naquele vídeo já não me importava mais se o fato aconteceu ou não, naquele vídeo eu estava sendo abusada junto com ela.
Naquele vídeo eu me vi sozinha, eu senti vergonha alheia, eu achei injusto o julgamento, a grosseria, a humilhação, o abuso de poder velado, e tudo isso por ela apenas ser mulher.
Carregamos nas costas anos de repressão,  de machismo,  de sociedade pudica, de educação repressora, de paradigmas que eu carrego até hoje e ainda tento quebrar em terapia quando me acho ousada demais. Não sou a dita "feminista chata", mas sou ser humano que teria empatia por qualquer pessoa que tivesse sido tratada daquela forma, e o fato é que até eu ainda carrego certo machismo em mim, e odeio isso, tenho nojo.
Eu nem tinha 9 anos quando me senti a primeira vez incomodada por ser mulher e tive que ouvir a minha avó falar que a culpa era minha porquê uma moça não deve sentar nem se vestir daquela forma.
O mundo está muito melhor, eu realmente acredito nisso, e é por isso que muita gente não se cala mais.
Então deixa, deixa, deixa...