sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Pai

Mais um homem da minha vida dizendo adeus...
Meu pai foi meu porto seguro. Eu era sua filha, amiga, esposa,...
Eu e minha irmã costumavamos dizer que ela era(é) o xodó da mãe e eu a do Pai.
Ele foi internado no dia 21 de agosto deste ano com uma forte falta de ar. Herdei dele a bronquite asmática. Nosso médico nos receitou medicamento para o resto da vida. Fiquei com seu estoque.
Chegando ao hospital, teve uma parada respiratória, seguida de parada cardiaca.Reanimaram em dois minutos, permaneceu sedado e entubado no hospital até o dia 30 de agosto, onde teve que ir.
Com os dias seu quadro foi piorando. Sem vaga na UTI, acabou ficando na emergência aguardando vaga até que o quadro piorou muito, e ops...agora sim surgiu uma vaga, mas já estava com pneumonia e infecção hospitalar.
O quadro não melhorava, e por fim veio o diagnóstico de SARA( Sindrome de Angústia Respiratória Aguda), onde o prognóstico é horrível. Ele não parava de fazer broncoespasmo, e então não conseguiam tratar a SARA.
Os médicos não cansavam de nos informar que o quadro dele era o mais preocupante da UTI, até mesmo mais preocupante que os casos de Gripe A.
As informações oficiais sempre chegavam com atrasos, mas como temos muitos amigos médicos, enfermeiros, acabavamos sabendo das reais notícias um dia antes, e o boletim médico oficial só chegava no outro dia as 15:00hrs. Antes disso se pediamos qualquer informação, a única coisa que ouviamos era: O estado dele é gravissímo.
Com as visitas restritas devido a Gripe A na cidade, foi muito difícil não estar com o pai nesses dias. Acordar e não poder saber como ele passou a noite, me consumia. Não trocar olhar com ele, era terrível. Não ouvir sua voz nesses dias, me torturava. E eu tinha que me manter serena, pois sabia que a única coisa que salvaria meu pai, que o traria de volta pra casa era não ser a sua hora, e então nossas preces e pensamentos positivos ajudariam.
Por esse motivo, me irritava com os médicos frios, que a todo momento queriam que eu enxergasse que meu pai partiria. Eu não estava tapando o sol com a peneira, eu simplesmente não aceitaria a morte enquanto ela não chegasse.
Na segunda, primeiro dia de UTI, os médicos disseram que ele não passaria da noite. Nesse dia deixaram minha mãe se despedir, minha irmã, e eu ainda fui a noite fora do horário. Por fim, ele não só resistiu naquela segunda, como também passou pela primeira sessão de Dialise e ainda teve resposta positiva. Ao todo passou por sete sessões. Eu vibrava com as pequenas notícias: "não estamos mais usando tanta adrenalina"; "os exames de sangue melhoraram"; "ele não esta mais com o máximo do aparelho respirador"; "a saturação de O2 subiu".
Enfim, era isso que me dava esperança. Sim, a esperança dói...doeu quando estava lendo na internet sobre SARA e lia que todos os depoimentos eram de pessoas que perderam seus familiares, mas o que mais me fez chorar foi um depoimento que começava assim: "Eu tive SARA." Nossa, quando li isso chorei muito, pois achei minha esperança ali. Meu pai poderia sobreviver. Então passei a fazer o que sei fazer de melhor. Orar e ter Fé. Servi de ponte pra ele no Centro Espirita, e fiz a minha parte para que soubesse que caso ele tivesse que partir, não seria por falta de preces, nem de pensamentos positivos.
Não posso ser injusta, os médicos, mesmo que frios,alguns(obrigada Dra. Gabriela a médica com o olhar mais doce que me passou o boletim médico; foi muito importante.), todos eram excelentes, e sei que fizeram o melhor. A equipe de enfermagem estava constantemente atenta. A moça que fazia a Dialise, a única que conversava mesmo comigo, um amor de pessoa. A atenção faz a diferença para os familiares, infelizmente não lembro seu nome. O Dr. D'Áquino, que cuidou do meu pai enquanto ele não foi internado. Cuidou dele por 20 anos. Fiz questão de ir a consulta que estava agendada para dois dias depois que ele faleceu. Ele me atendeu dizendo: "então o paizinho foi embora?...". Ele me deixou chorar.
Percebi nesse momento que a frieza de certas pessoas dentro do hospital era total falta de controle emocional. Pois quando alguém chega falando doce com você nessa situação, eles te dão espaço pra você sentir, e por fim mostrar o seu medo e dor. Já se falam com você tecnicamente, e com uma certa frieza, te colocam racional, e consequentemente você se fecha, não abalando quem esta na sua frente. Desculpem, posso até entender, mas não deixa de ser uma atitude egoista.
Quando você passa por uma situação dessa, você vibra com cada pessoa que recebe alta, e ao mesmo tempo, sofre junto com cada perda, mesmo sem ser seu conhecido. É muito importante te darem esperança...mesmo que por pouco tempo. Se meu pai estava lá, sedado, entubado, forte como um touro(palavras de um médico), que direito eu tinha de me entregar antes da hora? Eu tinha que obedecer a ordem natural das coisas. Quando ele parasse, eu então pararia. E parei, acho que ainda estou parada.
Já passei por isso, mas digo, a diferença é grande. Sofri demais com a perda do meu marido, sofri demais com perdas vivas, mas a partida de meu pai foi serena. Dói, dói sim...sofro pouco, pois não me permito sofrer, quando muito permito sentir a dor.
Quando meu marido morreu, por mais que tivesse que resolver a grande maioria das coisas sozinhas, eu tinha meu pai ali. Simplesmente por estar ali. Ele esteve comigo a vida inteira, e sempre...sempre do meu lado.
É estranho não ter mais ele todo sujo mexendo no quintal, orgulhoso de suas bananeiras...é estranho não chegar na casa de meus pais e ver ele na frente de casa passeando com a Babi...é estranho chegar na escada da casa onde passei muito tempo e ainda volto todos os dias e não ver no alto ele me recebendo sempre com olhar doce...é estranho não ouvir ele falando com a bisa...sinto falta dos momentos sentada no computador, na frente da TV ligada, com ele dormindo sentado jurando que estava assistindo.
Desliguei a internet lá. Não posso mais sentar ali.
Ele não tinha um espírito; ele é um espírito. Ele tinha um corpo.
Outro dia a Duda acordou (depois de eu rezar a noite implorando a Deus que a permitisse "sonhar" com o vô) e disse: "Mãe, sonhei com o vô. E ele estava vivo."
Ela é muito fechada. Não havia chorado desde que o vô(que cuidava dela todos os dias) havia sido internado. Após o enterro(claro que não a levei), busquei a Duda e no carro conversando sobre o porquê dela ter recusado o abraço de uma amiga, ela então começou a chorar. Muito. Deixei, dei colo, me emocionei(não consigo chorar quando alguém chora) e soprei seu cabelo: "Filha...ta vendo seu cabelo se mexer? É o vento...tenta pegar ele. Não dá? Não ta vendo o vento? Mas ele esta ai. Voce sente né? O Vô agora se parece com o vento, uma brisa...a gente não vê, não toca...mas pode sentir. Ele sempre existirá. "


4 comentários:

Rafael Rodrigues disse...

Olá.. primeiramente ofereço meus pesares, pela perda sem duvida triste, mas tambem gostaria de lhe agradecer por palavras tao lindas e sinceras, graças ao bom DEUS nao perdi familiares proximos, a nao ser minha maravilhosa vó, que amo demais.. Mas tenho que confessar que me emocionei com suas palavras....
(Creio que nao lembre de mim, pois faz muitos anos, eu frequentava o studio afro brasil de capoeira, sem duvida um dos melhores locais de capoeira que joinville ja teve ...)

Sandra Paula disse...

Obrigada Rafael, a saudade dele ta demais...a gente acha q o tempo ajuda, mas q nada...cada vez a sinto mais...enfim...
Olha, de nome realmente não lembro de vc, e obrigada pelo elogio ao Studio de capoeira. Ele foi um dos sonhos que mais me dediquei até hj, na verdade nunca acreditei tanto num sonho...infelizmente não tive como continuar com ele com os profissionais que estavam comigo na época, mas o sonho esta guardado...foi o primeiro passo...quem sabe, no futuro ele reabrá...hj consegui encontrar pessoas c os mesmos ideais...o projeto esta guardado...bjs

Rafael Rodrigues disse...

Sandra .. creio que nao vá lembrar de mim mesmo... mas enfim . sobre o studio.. realmente foi um local muito interessante que poderia nos trazer oportunidades imensas ..fiz um curso la uma vez com o na epoca instrutor quebra queixo da senzala .. muito bom ... e o sonho tomara que volte a se realizar .. seria uma ajuda imensa para a capoeira de joinville.. sou do grupo quilombo arte . do mestrando sombra . talvez voce o conheça por Patrick, como era conhecido na epoca, eramos alunos do cm curio.. enfim.. aguas passadas.. mas fico feliz que o sonho ainda esta guardado .. espero que por enquanto .... um grande abraço..

Sheila disse...

Chorei...